sábado, 23 de maio de 2009

A Árvore E A Nuvem


Há uma nuvem presa numa árvore

Há uma árvore presa a uma nuvem
Estamos nós presos à árvore e à nuvem
Presos no momento que é agora
Presos no sempre que é passado
Nós, a árvore e a nuvem
Presos.

A nuvem tenta separar-se da árvore
Mas esta prende-a nos seus ramos.
Tentamos separar-nos da árvore
Mas a nuvem somos nós.

A árvore tenta separar-se da terra
Mas a terra prende-lhe as raízes
A nuvem ri-se, irritando a árvore
Que lhe retribui o riso em fortes correntes ramificadas
Forçando as lágrimas da nuvem.

A terra regozija-se verdejante
E a nuvem sente-se mais leve
A árvore adivinha a nuvem a deslizar entre os seus ramos
E compreendendo isto a nuvem chora incessantemente
A árvore irrita-se porque a nuvem lhe escapa
E a terra agradece o seu pranto.

A nuvem solta-se da árvore
Deixando-a novamente sozinha,
Presa à terra:
A nuvem somos nós.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

a luz que nasce na noite

se amansares a noite saberás que o seu dorso finge uma pulsação
adormecida na tranquilidade do canibalismo que a consome.

finge,

finge uma trela (de curta-metragem) flagelada de autoritarismos
adornados por uma língua de sumptuosa eloquência.

finge,

e serás (aos olhos ofuscados dos teus fiéis) huris para sempre.


mas na noite nós vemos, sem deslumbramento, o que és:
uma clepsidra desidratada que se esgota em horas mortas
dentro de um templo conspurcado pela aragem ébria que a noite fermenta.

finge,

mas sabemos que vestes um traje de quimeras esfarrapadas;

tu, que agora te arrastas pelo chão poeirento da tua solidão.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

as mãos que te calam os lábios

Deixa que marés de luz te encontrem
e preencham o vazio d'
----------------------------]os teus lábios[

O mundo irá ouvir-te, sonolento,
Mas aquiescerá ao som da tua
----------------------------]são a[ voz
Lembrando-se que em tempos também a teve,
Agora calejada pelo
---------------------]do[ caos
Que o rodeia.

Sobe o vale que te empareda
E abre o cofre que nos tomou como reféns,
Muda a surdina mundana
Enfeitada com cantos de sereias
------------------------------------------]afónicas

Não entregues este navio às
-----------------]são as tuas[ mãos
Distraídas do destino –
Ele que não compreende o desejo de liberdade
Envolto em saudosos
-----]já tão gastas de[ acenos.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O Eterno Passageiro

o deslize de um carril catártico
que se entrega à fome ímpar de bocas solitárias,
pintadas em paisagens mortas de passageiros anónimos.
o consumo de horizontes em janelas baças,
corrompidas pelo gangrenar volátil do tempo
presas nos dedos que as percorrem,
sôfregos por um contacto:
maleável na sua índole.
querer viver eternamente nestas carruagens,
não ser mensageiro de olhares alheios.
saber partir para sentir o corpo ficar...
para trás, para trás, e cada vez mais para trás
até que o corpo não nos pertence mais,
pertence a camas de motéis baratos,
bancos de comboio, bancos de jardim,
pertence aos cabides onde deixo pendurada a memória do país que fui.
querer saber o que significa ser cidadão de todos os países do mundo,
sem ser de nenhum em particular,
reconhecer caras vizinhas
sabendo que amanhã as terei esquecido.
ser o país,
ser a cidade,
ser as ruas e as pessoas,
não ser turista.