quarta-feira, 2 de julho de 2008

One Lonely Visitor

Escrito por Vash, amansado por Omega

O caminho era longo. Molhado por cerca de 30 minutos chuvosos de curvas e descidas e mais curvas e subidas, descidas ao contrário.
O que me esperava no final era o mesmo de sempre, a compensação. Nada por todo o trabalho feito.
Deixei-me levar pelos solavancos, pouco tempo depois aquela dança era já aprazível de tal forma que fê-la tocar-me.
Aí, sacudido pelo toque, reparei que não estava sozinho.
Não.
Estava acompanhado por uma desconhecida igual a tantas, tão diferente na sua similitude.

O jogo dos olhos começou logo ali. Tentámos esconder o interesse sem mostrar frieza ou ignorância à pessoa ao lado. O mais difícil estava feito.
A viagem continuava sem percalços. O motorista falava com passageiros indissociáveis daqueles pedaços de metal, todos tão habituais como os bancos em que se sentavam. Passageiros em nada transitórios.

A mão levantou-se, ganhando vida própria.
Nada pude fazer senão observá-la atentamente.
Desviou-se do percurso inicial como quem procura o caminho certo. Se vontade não tivesse a pulsação que me ladeava tê-la-ia puxado para si, ela, criando forças gravitacionais às quais não poderia escapar.
Pousou-a finalmente de forma suave, acariciando a sua contraparte, eu, serenamente.

Os olhos não se cruzam, jamais.

A cumplicidade não era apenas aparente. A verdade estava aos olhos de quem a quisesse ver e nenhum de nós a escondia. A tempestividade foi o requisito para o nosso romance causal, mas as testemunhas não se fizeram ouvir. Se não houve qualquer prova quem acreditaria?
O nosso momento veio. Deixou-nos saboreá-lo e abandonou-nos como se nunca tivesse chegado e mudado as nossas vidas, pelo menos naquele dia.
Não foi o discurso, nem o meu nem o dela. Acabou por ser o verde na paisagem, o cinzento da paisagem, a poluição da paisagem, o escuro no céu, os solavancos da estrada e talvez o vento que entrava pela janela aberta.
Essas foram as nossas testemunhas e sei que e alguma forma foram nossas, as testemunhas que quisemos guardar no toque.

A pele atestou o tesouro, os olhos jamais.

Próxima paragem: a minha compensação.
Que nos resta?
Que nos espera?
Foi um belo romance romanceado pelos melhores romancistas de que há memória: nós os dois.

Cúmplices da nossa solidão, tu da tua e eu da minha. Cúmplices por fim.

Saí sem nunca lhe ver a face, sem fingir que pareceu ser para sempre o tempo que tinha olhado para ela.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Tempo

tempo,
tempo que precisas para viver
tempo que pensas ter quando ainda mal andas
tempo que teima em não passar
tempo que morre lentamente no relógio
tens todo o tempo do mundo

[cresces enquanto o tempo cessa]
acordas de manhã com a esperança de um novo dia
chegas à cozinha e já é noite
o tempo não te deixa tempo suficiente para ser
tempo que escasseia e que se dilui em falhanço
atrás de falhanço,
porque o tempo não te dá tempo para vitórias
tempo que passa sem te aperceberes

[cresces mais um pouco e o tempo em ti encolhe]
tempo que não te deixa viver
tempo de namorar, tempo de casar
tempo de discussão
o primeiro filho; tempo de não dormir, tempo de não ter tempo
tempo de viver a correr
tempo que vive a correr
tempo de pensar em tudo o que não fizeste por não teres tempo
tempo de arrependimento

[tempo de idade adulta]
porque não tiveste tempo para pensar nas consequências
e as consequências não te deram tempo para pensar em soluções
tempo de investir no futuro do teu filho
tempo da família em primeiro lugar
tempo de não teres tempo para ser

[tempo de andar arqueado]
quando já só esperas a morte e tens tempo para pensar
talvez o tempo não tenha sido o suficiente
mas transformaste-o da melhor maneira
e aí sabes que o tempo foi sempre igual
tu é que andaste mais depressa do que devias
tu é que apressaste a vida
quiseste ver o mundo antes de ele se formar no teu
e eis-te agora a baloiçar a vida na ínfima linha que te resta
o tempo foi teu,
sê agora.