Escrito por Vash, amansado por Omega
O caminho era longo. Molhado por cerca de 30 minutos chuvosos de curvas e descidas e mais curvas e subidas, descidas ao contrário.
O que me esperava no final era o mesmo de sempre, a compensação. Nada por todo o trabalho feito.
Deixei-me levar pelos solavancos, pouco tempo depois aquela dança era já aprazível de tal forma que fê-la tocar-me.
Aí, sacudido pelo toque, reparei que não estava sozinho.
Não.
Estava acompanhado por uma desconhecida igual a tantas, tão diferente na sua similitude.
O jogo dos olhos começou logo ali. Tentámos esconder o interesse sem mostrar frieza ou ignorância à pessoa ao lado. O mais difícil estava feito.
A viagem continuava sem percalços. O motorista falava com passageiros indissociáveis daqueles pedaços de metal, todos tão habituais como os bancos em que se sentavam. Passageiros em nada transitórios.
A mão levantou-se, ganhando vida própria.
Nada pude fazer senão observá-la atentamente.
Desviou-se do percurso inicial como quem procura o caminho certo. Se vontade não tivesse a pulsação que me ladeava tê-la-ia puxado para si, ela, criando forças gravitacionais às quais não poderia escapar.
Pousou-a finalmente de forma suave, acariciando a sua contraparte, eu, serenamente.
Os olhos não se cruzam, jamais.
A cumplicidade não era apenas aparente. A verdade estava aos olhos de quem a quisesse ver e nenhum de nós a escondia. A tempestividade foi o requisito para o nosso romance causal, mas as testemunhas não se fizeram ouvir. Se não houve qualquer prova quem acreditaria?
O nosso momento veio. Deixou-nos saboreá-lo e abandonou-nos como se nunca tivesse chegado e mudado as nossas vidas, pelo menos naquele dia.
Não foi o discurso, nem o meu nem o dela. Acabou por ser o verde na paisagem, o cinzento da paisagem, a poluição da paisagem, o escuro no céu, os solavancos da estrada e talvez o vento que entrava pela janela aberta.
Essas foram as nossas testemunhas e sei que e alguma forma foram nossas, as testemunhas que quisemos guardar no toque.
A pele atestou o tesouro, os olhos jamais.
Próxima paragem: a minha compensação.
Que nos resta?
Que nos espera?
Foi um belo romance romanceado pelos melhores romancistas de que há memória: nós os dois.
Cúmplices da nossa solidão, tu da tua e eu da minha. Cúmplices por fim.
Saí sem nunca lhe ver a face, sem fingir que pareceu ser para sempre o tempo que tinha olhado para ela.
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