A passagem da tarde era tortuosa, o calor arrastava-se pelos cabeços, a sombra estava escondida nas árvores, lugar nenhum estava abrigado do sol desértico. Era a esta hora que Maria e Luís se encontravam no lagar, onde a frescura interior das paredes os envolvia. Não se encontrava vivalma na rua, estavam seguros. Ele despiu-lhe a camisa com sofreguidão, enquanto lhe beijava o pescoço e tentava ensinar as mãos a decorar todo aquele corpo latejante de desejo. O Alentejo em Junho é uma flama fulva que atravessa a pele e queima as superfícies, pintando-as de um âmbar triste e suado. As pessoas recolhem-se para dentro de casa onde ocupam o tempo como podem. Os que vivem perto do litoral vão redescobrir a turquesa do Atlântico domesticado. Os outros estão condenados à pobreza e ao calor obsidiante. Ali, no lagar, era uma fuga que tomava lugar. Corpos adolescentes a descobrirem as cascatas fictícias da juventude com apenas os aracnídeos caseiros a observarem silenciosos. - O tempo que passei a pensar em ti é todo um outro ser vivo que existe na Terra. – sussurou Luís.
A tarde passou, imperial e vagarosamente, não deixando antever qualquer suspiro do vento na cálida rua. E ela ouviu toda a dissertação de uma enorme melopeia que ele gravava na sua pele. O anoitecer veio atrasado, como de costume nesta altura do ano, e como que pedindo desculpa trouxe consigo uma fresca aragem que convidava as pessoas a sairem dos seus invólucros de cal. Deixaram o lagar, e as mãos que se separavam eram correntes que se partiam. Tinham ambos sempre que chegar a casa antes das dezanove horas, porque ninguém admitia atrasos à sagrada hora de refeição. Enquanto apressavam o passo em direcção ás suas casas, em caminhos separados, seguravam o terço suspenso por um fio no pescoço pedindo ao Messias que segurasse por mais uns minutos os ecos metálicos do sino da igreja. E o filho de Deus acedia sempre ao pedido.
Passaram a noite a pensar num futuro cúmplice longe daquele deserto.
O dia seguinte acordou com um sobressalto. Os gritos enchiam a aldeia. Alguém correra para a praça em pânico e ali se prostrara no chão, chorando convulsivamente. Os aldeões aproximaram-se daquela mãe atormentada, e tentaram perceber o que se passava. - O Luís... – disse tremulamente a mulher.
Quando Maria acordou, a sua mãe estava sentada num banco ao lado da cama, com a penumbra da janela a iluminar-lhe apenas metade da soturnidade na sua face.
Veio da apatia das nódoas negras, o mega qualquer coisa, apresentar-se como absoluto e contar como é que reocuparam o mundo:
Eram 5. Mais por vezes, mas sempre os mesmos: o Vash e os outros, como eu.
Reuníamo-nos no local do costume com as pessoas de sempre. Lutávamos calados, silenciosos nos nossos enigmas, mesmo na melancolia da chuva que apenas nos molhava o ardor de querer ser um pouco mais.
Eram desígnios superiores aqueles. A quê, não sei.
Prometíamos um mundo melhor. Parados.
Pensámos que valia a pena, mas resolvemos não batalhar. Só havia guerra nas nossas ideias e em mais lado nenhum.
Conversávamos vezes sem conta. Falámos do mesmo, dissemos diferente.
Havia fé mesmo na terra dos corações partidos.
Aceitámo-nos e com isso o nosso destino. Conquistámos amizade e agora só faltava o mundo.
E ríamos, cada um à sua maneira e no seu tempo.
Comíamos bolos, açucarando a alienação vigente: quando todos pensavam, ninguém dizia - era o pacto.
Descansámos de medo, uns renderam-se, outros não. Não houve muitas vinganças senão todas as que fizemos.
O mundo não agradeceu e que eu saiba não se importou o suficiente,
E o quengorama de paixão não levou tudo. Sobrámos nós. Só nós.
Os conquistadores do banco partido, onde alguns se sentavam nele, esfarrapado em comunhão com a solidão, partido como almas perdidas, graciosamente desprovido de graça.
A glória ainda espera paciente até que um ou todos de nós resolvam mudar o mundo. Até lá encontramo-nos com a fermentação da cevada na fermentação dos nossos espíritos enquanto o silêncio sussurra a sua vontade.
Na alegoria da noite, o ébrio sulco em alguns corações debita algumas palavras na eterna procura da verdadeira arte.
A arte de não dizer, para não saber ser infeliz, como o banco partido, tantas vezes conquistado por nós.